-Você tá viva, vó. Mas... você tinha morrido. Ah, que bom que você tá aqui.
-Certo que eu tô, Rodrigo. E você nem me ligou mais, né?
-Ô vó, mas... você não estava mais aqui, gata. Eu tava com tanta saudade. Eu te amo tanto.
--Eu também te amo. A vó gosta muito de você, viu? Não chora não.
E foi assim que eu consegui me despedir da minha vó Florência, da minha florzinha. Num sonho perfeito. Ela quis ir embora assim sem dar tchau, sabe? Pegando todo mundo de surpresa. Eu achava que aquela velhinha era imortal. Cheia de sabedoria dos humildes, dos iletrados (aquela sabedoria que os imbecis reacionários acham que não tem valor), o conhecimento de quem viveu, de quem sentiu e teve história pra contar. E contava. E vivia. E me fazia viver sensações tão marcantes. A minha infância tem cheiro de folha de goiaba. Tem barulho de rádio zunindo baixinho. Tem feira. Tem passeio no mercado municipal do bairro. Tem gosto de manga fresquinha e bolinho doce que era pra eu comer até empanturrar. Tem um alívio indescritível por ela conseguir remendar minha colcha velha favorita e impedir que minha mãe a jogasse fora. Tem histórias e lições de vida de uma Florzinha que criou sozinha sete filhos. E ainda deu a luz a um deles sozinha). E tomou conta de oito netos. E teve que acompanhar o enterro de um deles. E nunca desistiu. Ela acreditava na vida e em Deus. Eu não acredito em Deus, mas acredito na minha avó. E talvez isso seja suficiente. Sem perceber, ela me ensinou que o que interessa são as sensações e emoções que vivemos e despertamos nos outros. O resto a terra come.
obs: Quando acordei, fui conversar com meu pai e ele me contou que teve um sonho parecido. Louco isso, não?
terça-feira, setembro 16, 2008
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16 comentários:
Lindo!
Sei bem o que é sonhar com quem já foi, sonhos assim tão reais, com palavras de conforto e uma sensação boa de que a pessoa está por perto PARA NOS DAR DISPOSIÇÃO!
Zin
saudade sempre...
lindo texto hermanito!
lindo, lindo.
eu gosto de cheiro de folha de goiaba!!
Nossa! Você me fez chorar..
Adorei isso:
(...)A minha infância tem cheiro de folha de goiaba. Tem barulho de rádio zunindo baixinho. Tem feira. Tem passeio no mercado municipal do bairro. Tem gosto de manga fresquinha e bolinho doce que era pra eu comer até empanturrar.(...)
Afinal, minha infância não fugiu disso.
Lindo!
Texto emocionante, deu até saudade da sua avô Florência, mesmo não a tendo conhecido.
Parabéns.
Tu não deveria escrever coisas tão lindas assim Dom, afinal tu sabe o quão derretida é essa tua amiga!!
Sinta-se abraçado, querido!
Saudade.
Ah, e eu insisto em te chamar de Dom mesmo, com 'eme' do final, porque isso não pode ser outra coisa!! =]
Você não acredita em Deus? Eu já nem sei no que acreditar, só sei que tem coisas nessa vida que não se explica e faz parecer mágica ou algo sobrenatural.
Querido Ro!
Acreditando ou não em Deus, o importante é saber que somos feitos e criados por pessoas que são obras divinas, como sua vovózinha.
O céu aplaude a chegada de seres do bem. E a terra sente a falta desses anjos ao nosso lado. O importante é saber que foi tudo lindo e maravilhoso. Sentimos saudade do que realmente vale a pena.
Me solidarizo, rs...!
beijo
Profundo, certo e sabedor.
a alma por vezes é comum.
saudações pelo espaço.
http://coresemtonsdecinza.blogspot.com/
Sincronicidade.
abandonou o blog, hermanito? =(
Pô, falar da avó é golpe baixo... não tem como passar ilesa por esse texto.
Pra mim a imagem clássica da avó é essa da mulher pobre, batalhadora, iletrada e que ajudou a cuidar dos netos com o maior prazer. Como a minha e a sua.
Daria tudo pra ter minha avó de volta, a figura mais sensacional que já conheci.
Olha, não te conheço. Mas foi lindo ler seu texto. faz tempo que não lia nada emocional assim, e sem vergonha desse amor derramado que as pessoas que tem vó podem ter. Enquanto alguém se lembrar, ela estará viva, viu?. E você a imortalizou de maneira muito linda com esse seu grito de amor. Quanto a deus... não se preocupe tem muita vida ainda pra, se houver necessidade, você crer. Enquanto isso , vai curtindo. Não há oração maior que essa. agradecer pela vida. E não esqueça que Deus nem sabe que existe religião, viu? Isso aí é meio de vida dos homens, que precisam de justificativas. Bjs
Puxa, lindas palavras... vcs são o máximo! valeu mesmo!
Puxa, que texto lindo. Feito mesmo com o coração. O memória é um troço muito misterioso, quando alguma coisa ativa as lembranças assim parece que se pode habitar o tempo. Seu texto me dá essa sensação.
beijo
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