sábado, julho 21, 2007

Os Bêras

Eu moro numa rua com o nome de avenida, mesmo sendo razoavelmente pacata. Apesar do colégio estadual um pouco acima e dos vários prédios construídos nos últimos anos, o lugar guarda um ar bem suburbano. Essa rua é travessa da principal avenida da região, portanto sempre preciso subir por ela para chegar até qualquer lugar relevante. Nesse caminho, sempre passo pela casa dos Bêra, em frente ao colégio, na parte plana da rua. Sim, Os Bêra. O gentil apelido foi dado pela bondosa molecada da rua para uma volumosa família de caminhoneiros vindos do Nordeste, que estacionam -desde tempos imemoriais- seus grandes veículos cheios de ferro e aço na rua, estreitando toda a passagem da via. Bêras, de "Beira de Estrada".

Lembro que quando criança, havia um garoto da casa com idade parecida, o Telo. Jogávamos futebol na rua ainda de terra (uma ladeira!) e ele tinha um jeito um tanto peculiar. Um garoto de 10 anos meio barbudo, troncudo... era desproporcional aos franzinos boleiros da rua e falava de um jeito estranho. Esse garoto em uns 5 anos já era pai. Dez anos depois parece um tio de 40 e tantos! E a pequena casa daquela família foi crescendo conforme as gerações passavam por ali. Tinha um ar meio de família Buendia, sabe? Gerações passando o tempo todo bem aos nossos olhos. O patriarca dos Bêra era um velhinho de chapéu de palha que ficava à beira do portão, sentado numa cadeira por horas e horas, calado e com aquele ar distante. Então certo dia ele não estava mais lá. Alguns meses depois, era a esposa do velhinho que ocupava aquele lugar com a mesma olhar alheio a tudo. Tempos depois, era o genro dele que lá estava... e da mesma forma!

Nos últimos meses, não notei mais ninguém naquele portão até que hoje lá estava a esposa desse genro (filha do velhinho, pra ficar mais claro). Ela também já está enrugadinha e olha para o nada, meio que esperando o inevitável, meio que pensando alguma coisa que eu gostaria bastante de saber o que é. Eu vejo cada vez mais bebês e grávidas dessa casa que cresce organicamente. Vejo cada vez mais crianças virando jovenzinhos ali. E jovenzinhos tornando-se Bêras e chegando a inevitável idade de comandar aqueles caminhões enormes que fodem com a passagem da minha rua. Se eu encontrar o Telo no lugar da velha, acho que vou finalmente entender que o tempo passa mais rápido do que eu pensava.

6 comentários:

Anônimo disse...

Salve!
Texto bacana...me lembrou da rua onde morei na infância. Infelizmente hoje não tem mais nenhum dos velhos amigos por lá, quase todas as casas da rua são moradia dos bolivianos que se aventuram por essas bandas. Bons tempos de moleque. Abraço!
Dill Rodrigues(Sall)

Anônimo disse...

É amigo...
o tempo passa, o tempo voa!!!

Unknown disse...

Texto lindo !

Sil disse...

O tempo passa tao rapido que a gente nem percebe. Ontem era 20, hoje ja e 30 e amanha ninguem sabe!
Belo texto.

Anônimo disse...

Será que o tempo passa mais rápido pra família Bêra? Talvez haja uma ruptura na estrutura de tempo-espaço, que os torne tão cíclicos.
De uma certa forma, visualizei algumas cenas de minha infância, á beira da estrada, em Campo Grande- RJ.
Lá quase não tinha bêra.

Raquel disse...

O tempo não existe, por isso ele é diferente pra cada pessoa. Para alguns a vida passa mais rápido, pra outros mais devagar. Legal o texto, e se você vir o Telo no lugar da velha, amigo, tá ficando velho mesmo :P.

beijão!